segunda-feira, 7 de junho de 2010

ARTE DE ESCREVER

Revista de Antropologia Print version ISSN 0034-7701 Rev. Antropol. vol.47 no.1 São Paulo 2004 2.'' É ao padrão da modalidade tradicional de pesquisa de campo antropológica – o que chamei a mise-en-scène malinowskiana –, que Foster responsabiliza o mimetismo artístico da pesquisa de campo, e com efeito é essa modalidade tradicional que artistas acham atraente apropriar, como Foster explicou em detalhe. Para os artistas, a pesquisa de campo fora da antropologia é uma prática estável – contudo, invalidada por sua associação profunda com a produção de uma forma distinta de naturalismo documental. Entretanto, há um espaço, especialmente se reimaginado conforme as críticas do projeto Writing Culture, no qual uma arte de interesse pode ser feita. Mas, a partir do que acontece na antropologia contemporânea (antropologia que é marcadamente diferente, até mesmo da dos anos 1990, em alguns dos seus mais recentes interesses), a pesquisa de campo como uma prática exclusiva é cada vez mais instável, como demonstrarei. A própria pesquisa de campo – quais são são suas fronteiras espaciais e seus limites temporais, quais são suas formas, o que se quer hoje dos "informantes", como é construída, delineada e concebida durante o aprendizado –, em vez do texto etnográfico e sua forma, é atualmente o objeto de experimentação na pedagogia e prática antropológicas, principalmente para etnógrafos estudantes em formação, na medida em que desenvolvem novos tópicos em circunstâncias completamente diferentes das de seus professores e antepassados. Embora não mereça o termo crise (como na crise da representação dos anos 1980), certamente há um sentimento disseminado mas ainda pobremente articulado – especialmente entre os estudantes – de que o etos da pesquisa de campo e os modos de inculcá-la na cultura profissional não encontram as realidades de sua execução nas circunstâncias atuais de investigação. Nesse sentido, a crítica emergente da pesquisa de campo em antropologia está onde a crítica aos textos etnográficos estava antes de ser enunciada pela iniciativa de Writing Culture nos anos 1980. Do lado da antropologia, ao menos, a questão é que valor pode ter o exemplo das apropriações de sua prática central pelo mundo da arte, embora em sua forma tradicional, para sua própria situação atual de reimaginar a modalidade tradicional de pesquisa de campo, talvez até incorporando aspectos de estilos de investigação mais amplos, constitutivos de alguns tipos de obras de arte que incorporaram, elas mesmas, a pesquisa de campo em seus processos? Que repercussão as apropriações experimentais das modalidades tradicionais de pesquisa de campo em antropologia feitas pelo mundo da arte, para seus propósitos complexos, podem ter para uma antropologia que, por necessidade, está passando da mise-en-scène malinowskiana para a reinvenção dela? Gostaria de pensar que há muito mais nessa conjuntura de reinvenção que a antropologia pode aprender de certos domínios artísticos, onde o que parece pesquisa de campo foi incorporado a práticas de investigação mais complexas. Um exame dessas práticas artísticas tem muito o que mostrar para a antropologia, enquanto ela enfrenta a ulterior diminuição de sua função documental característica e se envolve em projetos para os quais a modalidade clássica de pesquisa de campo é insatisfatória. Creio que novas técnicas, ou ao menos uma nova estética da técnica, mesmo de um tipo formal, são necessárias para aperfeiçoar a mise-en-scène malinowskiana, as técnica que já são cultivadas por algumas artes que mostraram afinidade e desejo por aspectos da própria arte da etnografia em seus próprios processos. Mas que artes? [O que me leva ao terceiro ponto acerca de Foster.] 3. Gostaria de concordar que a apropriação da pesquisa de campo etnográfica pela tendência de arte site-specific e de instalações, às quais ela parece adequada, é vulnerável, da maneira como Foster caricaturou em sua crítica. Entretanto, onde encontro apropriações similares ou práticas paralelas à pesquisa de campo etnográfica, nos bastidores, por assim dizer, é no teatro e no cinema, que não são tão vulneráveis à espécie de crítica que Foster fez à arte site-specific com pretensões etnográficas. Embora a contribuição do que parece com a pesquisa de campo nas fases preparatórias da produção teatral ou cinematográfica possa ser tão curta quanto (e aparentemente superficial, do ângulo da auto-estima e sensibilidade antropológicas no modo clássico), não é tão facilmente assimilada quanto o capital cultural de instituições culturais mais poderosas e ricas. Ao contrário, o que é investigação etnográfica nas complexas ações coletivas que resultam em uma produção teatral ou cinematográfica está profundamente imiscuida nesses processos, de tal modo que, o que parece um momento ou fase da pesquisa de campo etnográfica em tais esforços, talvez deva ser repensado, ampliado ou prolongado em termos do poderoso conceito de pesquisa de campo que regula a cultura profissional da antropologia. Trabalhar com o que se parece com pesquisa de campo nos ofícios de teatro e de cinema, aplicando-lhes uma perspectiva metaetnográfica, poderia oferecer para a antropologia tanto um canal novo para continuar as discussões e colaborações com a arte, para além das balizas desse intercâmbio nos anos 1990, como fornecer um modelo apropriado de prática alternativa para enfrentar os desafios atuais das modalidades tradicionais de pesquisa de campo. A questão não é tornar a pesquisa de campo antropológica uma forma de teatro – mais do que já é – mas usar experiências e técnicas deste para reinventar os limites e as funções da pesquisa de campo em antropologia''.

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